Milhares frente à AR no derrube do Governo PSD/CDS

Na rua troa <br> o motor da ruptura

Hugo Janeiro
Texto
Jorge Caria e Paulo Oliveira
Fotos

Milhares de pessoas responderam anteontem à convocatória da CGTP-IN e acompanharam junto à Assembleia da Republica (AR) o derrube do Governo PSD/CDS, deixando a garantia de que não abdicam de uma política alternativa que rompa com a política de direita.

«Façamos pois o trabalho que só nós podemos e sabemos fazer»

Vitória. Vitória. Acabou-se a história? Não é o caso nem nunca seria, pois toda a História é a da luta de classes e o capítulo que ontem se viveu em Portugal faz parte de um processo em curso, no qual, como sempre acontece, sobressaem avanços e recuos, sobressaltos e rupturas que, num dia, convocam realizações impensáveis nos anos em que não foi possível encontrar muitos dias dignos de registo louvável.

A estória que cabe aqui grafar começa no entanto por um epílogo e as suas primeiras palavras – vitória, vitória – foram uma conclusão-grito, repetido com genuína emoção quando o Secretário-geral do PCP, Jerónimo de Sousa, acompanhado por Francisco Lopes, Jorge Cordeiro e José Capucho, do Secretariado do Comité Central, João Oliveira, da Comissão Política do CC, e deputados do Partido no parlamento, foram ter com os manifestantes que se mantinham desde cerca das 15h00 frente à AR. Passava pouco das 17h30 quando isto sucedeu e nos minutos seguintes a delegação comunista chegou junto ao palco para cumprimentar a direcção da CGTP-IN, depois de ter sido engolida pela multidão num abraço fraterno.

Importa também fixar na memória as 17h16, hora em que uma maioria de 123 deputados do PS, PCP, BE, PEV e PAN rejeitou o programa do Governo PSD/CDS, fazendo cair com estrondo o nado-morto a que o Presidente da República deu posse ignorando a vida e a vontade da imensa maioria dos portugueses.

«É neste novo quadro político que o Presidente da República, independentemente das suas opções e desejos, não pode deixar de cumprir a Constituição, pelo que deve dar posse ao novo Governo que, para além de dispor do apoio da maioria parlamentar, tem a responsabilidade de reflectir o sentido de uma verdadeira mudança de política expressa de forma inequívoca pelo povo português nas eleições de Outubro», tinha já advertido Arménio Carlos intervindo perante o povo.

A queda do executivo Passos/Portas versão 2.0 – Paf! Pum! Caiu!, lia-se em cartazes trazidos pelos que desfilaram Avenida D. Carlos I acima, desde o Largo de Santos, atrás de um primeiro pano, firme nas mãos de dirigentes da Intersindical Nacional, onde se exigia a ruptura com a política de direita –, decorre dos textos assinados entre o PS e o PCP, o BE e o PEV.

Aqueles textos permitiram rejeitar um novo gabinete da Coligação PSD/CDS e abrir a perspectiva da aplicação de um conjunto de medidas que, considera o PCP no caso do documento que subscreveu (ver páginas 9 e 10), vincula a devolução de salários, direitos e rendimentos roubados aos trabalhadores e a camadas sociais não-monopolistas; trava o esbulho privatizador e a ofensiva contra os serviços públicos e as funções sociais do Estado.

Trata-se pois de interromper um pesadelo onde não faltaram monstros e respectivas monstruosidades, mas não se trata ainda do sonho acalentado de marchar a passos largos na via de um Portugal de progresso económico e social, soberano e liberto da exploração. Esse é um caminho que está por percorrer.

As condições são melhores e inéditas, sem dúvida, mas não históricas, pois estas últimas carecem da abertura das largas avenidas por onde passem as amplas massas populares construindo por suas mãos a história. Foi este o sentido e conteúdo da esperança manifestada pelos participantes na concentração convocada pela central sindical de classe, democrática, unitária e de massas.

Uma esperança que não fica à espera logo porque quem a transporta preserva a consciência de que, tendo vencido esta batalha, mantém-se como sujeito colectivo capaz de inscrever no futuro o derrube de um poder económico que, na actual etapa, conserva força e instrumentos para condicionar e conduzir o poder político que capturou a golpes de contra-revolução.

Lutar, sempre

«Hoje os vencedores estão deste lado», lembrou também na iniciativa o secretário-geral da CGTP-IN. Os vencedores, aliás, sempre estiveram deste lado da barricada na medida em que nunca se deram por vencidos (resistir é já vencer, sublinhou sem descanso o PCP, não raras vezes enquanto outros capitularam). Mesmo perante a mais furiosa e intensa ofensiva contra eles desencadeada, os trabalhadores e o povo lutaram. Lutaram muito, sempre, e nas mais ásperas, exigentes, difíceis e mesmo desumanas condições, como aludiu Arménio Carlos falando de improviso no encerramento.

«O momento que vivemos confirma que valeu a pena lutar», tinha antes notado o dirigente da Intersindical. «Valeram a pena todas as lutas» porque «foi a luta que conduziu a sucessivas derrotas de PSD e CDS e ao esvaziamento da sua base política, eleitoral e social».

«Valeu e vale a pena lutar e resistir porque a nova composição da AR, sendo o resultado da acção dos que aqui estão e dos muitos milhões de portugueses [que aqui não puderam estar], será tanto mais favorável aos trabalhadores e às suas famílias quanto continuemos e intensifiquemos a luta e a resistência», acrescentou.

Arménio Carlos salientou posteriormente um outro facto que a propósito dos acontecimentos deste 10 de Novembro de 2015 os trabalhadores que estiveram na rua não hesitaram em garantir: da luta ninguém deserta. Enganam-se portanto aqueles que pensam que o tempo das acções reivindicativas de massas acabou. Pelo contrário, assegurou Arménio Carlos em declarações ao Avante!, realçando que em matéria de aumento dos salários, em especial do Salário Mínimo Nacional, ou no que diz respeito a legislação laboral, por exemplo, muito está ainda por alcançar.

O mesmo lembrou nas palavras que dirigiu depois aos manifestantes. «Estamos aqui para assumir que temos convicções e propostas e não temos medo de continuar a lutar para defender e conquistar direitos e afirmar os valores de Abril. Façamos pois o trabalho que só nós podemos e sabemos fazer: organizar, unir e mobilizar os trabalhadores, transmitir esperança e confiança de que é possível lutar e conquistar melhores condições de vida e de trabalho», disse, antes de recordar que «para a CGTP-IN a composição da AR não é inócua nem nos é indiferente face às respostas que no plano legislativo podem e devem ser dadas aos problemas dos trabalhadores. Uma nova maioria implica uma mudança de política». 

Um nova política

«É tempo de mudar de rumo e pôr um ponto final à destruição de emprego, ao desemprego, à degradação da qualidade do emprego, à emigração forçada, é redução das remunerações e ao ataque à Educação, ao Serviço Nacional de Saúde e à Segurança Social. É tempo de mudar de rumo e acabar com a política de direita, promotora de desigualdades sociais, dos ricos cada vez mais ricos e dos restantes a empobrecer; das privatizações das mais rentáveis empresas, do serviço de milhares de milhões de euros para acudir ao sector financeiro a que se juntam outros tantos milhares de milhões nos negócios desastrosos das PPP e dos SWAP. É tempo de recuperar e desenvolver o País, hoje asfixiado por uma dívida galopante e impagável», afirmou igualmente Arménio Carlos.

«Sabemos que “Roma e Pavia não se fizeram num dia”, sobretudo depois da política de empobrecimento generalizado a que os trabalhadores, o povo e o País foram sujeitos pela Coligação PSD/CDS», prosseguiu. «Mas a situação e as necessidades em alguns casos dramáticas em que vivem os trabalhadores e outras camadas da população, exigem uma estratégia e uma acção urgente» que garanta que medidas «com maior alcance laboral e social não se tornem numa réplica das “obras de Santa Engrácia”».

Neste sentido, reafirmou que a CGTP-IN, «não sendo um partido, sempre tomou e tomará partido», designadamente «ao lado dos trabalhadores e do povo portugueses». E por isso ao Governo suportado pela nova maioria da AR, legitimamente se exige «que cumpra com as promessas, responda às necessidades e anseios da população e assegure uma verdadeira mudança de política que respeite e afirme os direitos e os valores de Abril».

«O momento que vivemos é crucial, exige acção, reivindicação e combate a todo o tipo de atentismos», convocou por fim o secretário-geral da central sindical. «A luta continua» e «o povo unido jamais será vencido», responderam os presentes, determinados a serem os protagonistas dos episódios que se seguem.



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